terça-feira, 14 de abril de 2009

alterretrato

Meu tempo deu mais uma volta ao redor do universo vazio, e de volta estamos no ponto de início. Ou quase. Nessa noite que passou, me falaram vozes (as vozes são o que vejo quando olho para o escuro). Como fazia voltas já, falavam e falavam mais ainda. As palavras hoje já me escapam, mas resta idéia. Falaram de mim, contando do que viram e o que vêem hoje, depois de tantas voltas.
Falaram que há em mim tendência ao vento, ainda que seja assim propenso a um temperamento lento, fala tardia. Que há incenso e um gosto ainda presente por tardes vazias. Que há em quantidade saudades na minha barriga, como um tumor, próximo ao fígado. Há resquícios, dizem, de uma poética tresloquacidade, de trejeitos de inventor de palavra, flutuares e impetuosidade que por vezes dormem. Que há, próximo a um amargor verde escuro, talentos que rumino de ver o que escuto, há poetares leves, e que há em meus sonhos de amarelo e cinza chumbo borboletas e besouros. Que sou ainda, ou devo ser, amigo de uns quatro ventos poetas, que sopro sonhos que correm mundo - por desejo ou em fuga - a tocar ouvidos que descansem no escuro.

Falaram ontem que há em mim, nos olhos fundos aquilo que sou, e na barriga doída aquilo de que fujo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Excerto de um dia de inverno

Naquela noite eu era um sozinho em meio ao incrível ruído de todos os sons da eternidade. Qual motivo de fundo, a mórbida pulsação do concreto se pronunciava a todo instante nos meus oito ouvidos, em dueto ora com o vento ora com a terra. As máquinas cantavam sempre perto naquela noite, tramavam melodias como imitassem pássaros de metal, e nenhuma voz silenciou, não havia qualquer ponto a indicar final. A multidão que éramos unissoava como mar profundo; ondas de escuridão à minha volta me faziam fundir ao negrume, eu era como parte dalgum monstro terrível. Me confortava unicamente saber que algo ainda era somente eu naquilo pouco que não era som, de resto, tudo éramos escuridão.
Por instinto de sobreviver, eu insistia em diferir, pois qualquer regularidade em ser eu, me fazia vulnerável a desfazer-me nas repetições periódicas do mundo às voltas; soasse eu alguma nota, a mais breve que fosse, e se me tomava de todo o terror de dissolver-me em harmonia com o universo.
A imanência era a realidade mais real: uma pequeníssima ponte de esfacelar-me era tudo o que a a separava de o que eu era, cruzasse esta ponte e já não havia voltar, havia só jamais ter ido. Quão atraente de tão longe outrora me pôde parecer a morte, o desfazer-se em infinitos e possíveis, mas agora, ainda que ventasse em mim doloroso o ruído absoluto de todas as coisas, não havia qualquer beleza na bocarra da morte, terrível e definitiva entranha. Sentindo medo, eu ainda assim não me podia permitir soar constante. Meu caminho era de tremer meus medos em assimetrias através da noite, correndo em busca do sol, a ponta oposta, que dali distava ainda ao menos uma eternidade. Andar não levava a lugar algum. Dormir, talvez morrer, compreendi ser a única forma de cruzar eternos, e me preparei então para o possível deixar de ser. Era terrível e necessário ter de suportar a minha própria pulsação, e sustentar assim o risco de me desfazer na harmonia inorgânica (não se dorme sem manifestar alguma constância, e assim se diz dos que dormem que ressoam).
Dormi, pois, talvez a maior das bravuras de todas minhas vidas, dormi em posição de quem morre, cerrei os olhos em pulsar constante e abandonei-me à sorte, derivei em busca do sol, e felizmente ele veio encher meus olhos de vida e realidades já não tão reais.
Jamais me foram tão agradáveis as ilusões de luz e sombra, o prazer dos vivos jorrava em cada ponto que discernia com olhos, e os sons, graças à sorte, tão abafados e imperfeitos como sempre me vinham a exalar um perfume de eu ser humano... que belo é ver borrado novamente, abençoada a queda, e muitos vivas à ignorância. Felizes são os de estreita compreensão - para o meio dos quais eu voltei - pois a nós é dado sorver a alegria de viver.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Atma

O que resta, quando cessa? Quando cessa o que embesta, que é que fica? Quando não fujo, esvazio, o que fica além desse frio? Quem existo quando de inteiro eu me desvisto? Quando despido do hábito de ser mesmo, pele outra alguma ainda resta, estar algum sutil? Se como a vida eu corro, rio, aonde é que vou? Que é que serei, afinal, lá onde já não sei mas ainda sou?

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Não é fome que sinto, nem tampouco é um sentir de quem esteja pleno ou saciado. É sim uma náusea que me desperta a presença do vazio de mim. Náusea ansiosa ante isto que sou, que me sinto. É a fala da grosseira víscera profana, marca da minha única imperfeita natureza mundana: nauseio pois sou humano, nauseio frente ao incompreensível que ainda me é o sagrado de ser vazio.

Profano ainda, sacio-me a ansiosa víscera com um qualquer fruto caído que, humilde como rola no chão, é e sempre será mais sagrado que qualquer de minhas crípticas complexidades, pois sem consciência, compreende em si a vacuidade de tudo o que é.

Complementos à sombra do texto

Falo da sobra e da sombra, aquilo que escapa de tudo o que se diz, escreve, e sente, e de como encontrar isto para trazer à luz o que seja para mim a atitude de contemplar, preferida minha diante das coisas da vida.

Pressuponho primeiro que a nenhum e a todos é possível que se conheça a realidade, sendo que um ou outro caso se aplica conforme seja minha ou de outro a realidade de que falo.
Posso dizer então que, ao acompanhar um texto, convém que se não atenha tão só às letras e palavras ou frases ali ditas, senão que também à sombra da letra escrita, à ressonância da fala, às palavras e frases que não são ditas mas que poderiam, que bem podem estar escondidas entremeando as brechas do texto.
Pois então ao estar em presença de flores, é bom que se preserve o assombro; que assim não seja a atenção tão somente voltada à beleza e ao perfume que se pronunciam na presença suave, mas que esteja também ali naquela auto-evidente leveza a possibilidade da rudeza e violência das flores, e tudo o mais.

Na vivência dos fenômenos então, além do que está posto, também há que se buscar o que haja de indizível ou insondável acerca do que sejam as coisas da vida, flores ou qualquer, pois é justamente no mistério da vivência que a experiência se faz entusiasmante.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

jardineiro

Então aí está o meu jardim. Neste aqui, como em qualquer jardim, florescem cores que não são minhas, mas da própria vida. Ajudo-as a nascer, como bom jardineiro que me pretendo: fico por aí como parteiro de lilases e amarelos. Não as tomo, as flores daqui, como coisas ou valores, mas contemplo-as como efêmeras aparições da beleza primeira. E deixo-as ao vento, exalando seus cheiros e inspirando dizeres sobre belo ou feio, enquanto eu, dever cumprido, contemplo.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

consciência e conhecimento: a música

Me causa espanto, no mínimo é o que posso dizer da música. Quando em estado de hiperexcitabilidade da consciência, tanto mais espanto ainda me causa - mais que espanto, talvez - que quando disponho-me inteiro a receber a música e mim, que tanto sentir! Estou a um passo do êxtase, a nona sinfonia me soa mágica.
Mas que pena a consciência ter só ela estado assim hiperexcitável, que pena não haver uma maneira de eu dizer disto que vivi, que falta fez naqueles instantes intermináveis o conceito, que falta fez o conhecimento da música para dizer, para compreender em mim e ir ainda mais além de tais impressões. Pois precisamente aí é que surge o necessário de também além de sentir, entender a música. E pode-se dizer necessário não só disso, música, de muito mais. Reconheço aí também, analogamente, a validade disto de formalizar conhecimentos, isto que historicizar vivências, isso de dizer como é o que é, de buscar compreender como pode aquilo que é ser o que é, e realmente dizê-lo, este como; e do que soa, também dizer como soa. De entender, enfim.
Uma maneira de compreender, ou umas maneiras de compreender, tão muitas quanto podem ser muitas as coisas a compreender. Um mundo de conceitos para aproximar-nos de um mundo que não cabe em conceitos. Pena também é que seja uma certa aproximação que não deixa de ser ainda distante, que em trazer para si, ao mesmo tempo afasta, mas é o jeito que se dá. Jamais cessar de tentar inscrever o que não cessa de não se inscrever acaba sendo necessário, afinal, ainda que jamais se siga a esta tentativa qualquer coisa que se possa chamar A Verdade - que talvez nem haja.
Consciêcia e conhecimento: pois é que me faltou o segundo quando minha consciência era quase plena, enquanto ouvia e sentia, e assim foi que não pude ir além de tal êxtase. Foi quando não pude trazer o peixe grande que fora buscar no oceano, o que faltou então foi mesmo um barco resistente e suficientemente espaçoso: recurso simbólico, conhecimento, que seja...

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Sobre o resto do texto

Ao escrever, deixo passar por vários sentidos um algo que não bem digo, e entre linhas faço que se dissolva um, dois ou muitos possíveis, e assim é que nasce um texto vivo. Lido, tal texto não deve ser mais que quase entendido, talvez subentendido. Que fique aberto o conceito, que fique do mundo ainda sempre um resto para ser relido, um pouco de vida que possa ser vivida e um pedacinho de música que não chegue todo ao ouvido. É que os restos no fim das contas são o que nos faz continuarmos; os não-sensos - evidente paradoxo - são o que orienta em algum sentido.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Lição do dia

Agora, na verdade (nesta de agora) não importa, é só no próximo passo que podes encontrar as respostas.
Tens que andar pela rua, quase correndo, quase fugindo, e tens que agir nunca tranqüilo. Não importa saber bem aonde ou a que estás indo, ou se vindo. Ao final das contas, tens de estar somente indo, ansioso, ser alguém que vai, bem assim como todos os demais (que de fato talvez já o sejam). Tens de ser corrente, cumprir sempre a lei maior de nunca ficar para trás, nunca parar. É proibido (e improdutivo) contemplar.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

De angústia, me ponho a escrever. Me pergunto qualquer coisa que não sei responder, e vão os dedos lá a dizer. É como se eu fosse inteiro sentir sede esta angústia do desencontro, quando o que sou não tem descrição, quando o que está sendo não encontra termo que lho diga. E me torno todo desejo da água que me vai saciar, água-palavra que afinal vai falar. Teço léguas de texto em fio, e nesta corda amarro o balde que jogo ao poço profundo. Em vão a corda desce e desce até o mais profundo que alcança o fio, enquanto teço mais e sem parar, nunca ouço sequer ruído, o balde não chega jamais ao fundo. A água que vai me saciar parece nunca estar lá, tento e tento chegar ao fim do poço, trazer de volta a água e o confortável de explicar o que passa - nada. O poço nunca acaba, e tampouco a angústia acaba, quase morro de sede enquanto teço, mas a palavra final sempre falta, inútil corda letrada que nunca diz nada.

(quando chegou a primavera)

Mais uma primavera e correm lilases na rua, e amarelos vão ao vento. Já eu troco o passo corrido e fugido por um andar que contempla a passo lento.
Ao meu passo, se vão desfazendo os marrons terrosos e se afundam enferrujados na terra que deles é fértil. A terra é azul e verde, e o céu quando não o também é, vez por outra é cinzento. As dez mil cores se fundem e fundam mais outras dez mil, e dançam como flutuassem pétalas na água, dançam leve como não fosse música mas vento, e correm mundo os cheiros e gostos de nova estação. E as gentes que correm como as lilases, pouco a pouco notam que mudou o mundo e mudam junto, como eu, em andamento e temperamento. Tempo de belezas, tempo de uma embriaguez leve e constante. Eu, árvore que sou, floresço em poesia e música e frutifico em sorriso e carícia. Cantando e poetando flores de primavera eu devolvo à terra pedaços de mim mesmo, os mais belos, em paga e graça pelo sustento no inverno.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

da dificuldade da nomeação

Algo resiste à definição, ainda que se defina.
Algo é consciente de tudo, ainda que não ciente.
Algo é, ainda que algo outro esteja.
Algo sou, ainda que nada seja.

dizer de algo que é

Devires intensos em presença, ponte entre aqui e as coisas que foram e virão.
Em tarde cinza eu mesmo me observo a observar.
Do alto de um morro, me vejo dizer daquilo que sou.
De sobre este morro, observo aquele que observa,
Também sou eu, como este que aqui, aquele que lá está.
E o morro mesmo sou eu a me observar.

Vejo os céus em movimento - céus que são meus próprios olhos que me olham
E assim sou também eu neste céu.
Sou eu este céu que me olha como é um corpo também seu próprio olhar
Assim como é um olhar aquilo seu olhado, sou eu mesmo o morro e o observador e os olhos de um corpo que é um e são todos
O céu e a terra são eu mesmo, e o universo sou eu que não sou mais nada.

De ser toda coisa, me desfaço.
Em ter eu mesmo sido tudo o que foi, não sou qualquer coisa que seja só o que é.
Não posso dizer disto que sou eu, ainda que de mim se possa dizer 'és aquilo'.
No tudo que sou, me restrinjo em meu dizer ao sem-limite de eu sou.
Simples como só ser, leve insubstância.
Sustento-me em um eu mesmo que não se apreende.
Princípio do termo, sou a coisa que precede o verbo, sou o início antes do início.
A essência das coisas e a consciência de não-coisa, entidade de nada, verdade primeira e a última sou eu: o universo em seus muitos de si.
Sou o tempo em espaço e além.
Sou a existência que se funda em vazio de mim mesmo.
Oceano primordial de profundíssimas águas escuras e férteis de infinitos, contenho em mim a palavra e o resto do que se (não) diz.
Sou o tempo e a pausa, silêncio prenhe de som.
Poesia, sou a coisa indizível.
Letra absoluta, sou interminável.
Sou a coisa que jamais passa a termo, sou a pura consciência da própria consciência que não se diz.


intermitências do pêndulo que oscila entre nada e tudo, entre estar e ter-se ido.
Sou movimento e criação, e sou também morte e estagnação.
Sou a coisa perene, sou ontem e os dias que virão.
De estação em estação, sou algo que passa.
Sou vida, e vivo, e sou morte enquanto morro.
Sou o vento que sussura a impermanência de todas as coisas e sou a terra a falar, pesada e lenta, em sólidas sílabas milenares.


(ao fundo, André Jolivet - Cinq Incantations [Incantation nº 5 - Pour une communion sereine de l'ettre avec le monde])

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

De ser a estar

Vontade do outro lado, anseio de infinito, desejo que me perpassa e me move em fazer novo tanto e quando houver algo que seja algo. Um constante desejo de ir além deste que é e passar a algo que, ainda existindo, já não mais se pode dizer "isto é". (talvez dizer que isto está) Andanças e fazeres infindáveis que não levam a lugar algum, mas permitem que se esteja a caminho. Em estar no caminho, fazer outrar-me deste ser não-coisa, do definido verdadeiro que progride para uma mais-definição, tornar-me puro outrar-se, em processo de coisificação, a caminho de uma totalidade para além de uma definição finda de si mesmo, enfim, não mais me repetir senão que em ser criação.

Outrar-se: v. intr. Intuir um si mesmo outro, advindo de sabe-se lá onde, de algum desses lugares que se não pode dizer mais do que 'outro'. Coisar-se, desnomear-se, dissolver-se em ínfimas sementes de potência infinita. Transmutar-se em mutação, criação permanente.


quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Devaneios sobre ser no tempo

Posso dizer da vida que é ininterrupta atualização de um Agora eterno, que é ele mesmo todo o vir-a-ser.

Vida parcial, tempo a tempo. O instante - o agora em si mesmo - é tudo em potência, e é essencialmente virtual (em oposição a um agora presente que é atual). Ou seja, o agora só existe enquanto possibilidades infinitas sem território, sem presença. Neste sentido ele não existe enquanto substância, tampouco existe como entidade, simplesmente existe. Não existindo enquanto presença, este instante pleno, no entanto, existe em sentido mais profundo, é. Não é-aí, nem é no tempo, mas é antes de aí e antes do tempo. A existência numênica deste Agora que é toda a possibilidade se faz presente - é-aí - na experiência das coisas que são aí, experiência do algo que é algo, idêntico a si mesmo e diferente de um outro. Por então ser mediado por espaço e tempo, o momento, o Agora existe em si mesmo porém não pode ser experimentado em plenitude, visto que a experiência de algo demanda uma divisão em tempos, uma atualização e uma diferença fundadora dessa entidade. Não é possível então, dadas estas necessidades para a presença, que se atualizem em um mesmo instante todas as possibilidades virtuais deste momento eterno, de Agora. Portanto a vida, toda ela já vivida no agora eterno, só pode ser experimentada enquanto for atual, ou seja mediante uma divisão em seções de tempo. Dito de outra forma, ou quase da mesma, o momento único, este que comporta tudo o que pode vir a existir enquanto experiência, não pode ser ele mesmo vivido em sua plenitude, visto que é necessário que se o divida em partes (ao dividir em partes é possível a atualização do virtual) essa é a condição para que algo possa existir enquanto coisa experimentável.

Pois é aí que me pergunto sobre a experiência de ser aí, de ser com algo, das limitações desta experiência. Me pergunto sobre essa atualização, como é possível ela? Sobre essa divisão em espaços e tempos, que tempos são estes e que espaços? Será a possibilidade da experi?ência assim tão limitada quanto a vivo eu cotidianamente? Não sei...

domingo, 19 de agosto de 2007

cisnes

antes que morram, cantem alto de ecoar qualquer nota que seja algo de olhar olhos no fundo e jurar qualquer coisa, ou prometer acordar para algo, algum futuro. Cantem alguma música ou qualquer besteira de tocar a mão em malícia carinhosa de amor amigo, de beijo disfarçado, de vontade velada e muito bem dita ao sol. Do sol mesmo em deitar-nos gentes como ele próprio sobre a grama a quase nos entregarmos. Cantem algo qualquer de fazer pensar coisas de pele, de maciez, de alvura, de delicadeza e de um riso jovem e puro, mas só pensar, e assim, nem tanto trair em cantar um querer já demasiado bem. Notas de ouvir dizer de outro o que se queria fazer pensar viver a um, de ignorar qualquer desmedido e curvar a algum desvairio... de querer perto de um ou outro jeito, ou qualquer, ou nem querer... mas ainda sempre buscar. de qualquer não dito adolescente, de fundo algum azulado que faça ver um amarelo remanescente. De todas, uma ou outra canção pode servir... uma ou outra tarde antes da última até ainda pode se ouvir. Cantem, pois, todos os cisnes!

sábado, 10 de março de 2007

do sofrimento

Cada um deles que anda e pensa, e enxerga e cria, é só um tema a se repetir entremeado por silêncios breves, lá ou ali mudando tempos, tonalidades.
É como a verve vulcânica do poeta, e a imensidão de oceno dos loucos e extáticos, e é como também é a maquinificante compulsão mantenedora do hábito, e todo gesto e todo acontecimento, e não há de ser senão como é e sempre foi, como acima e como abaixo, tanto e enquanto for humana a visada, uma mesma valsa sem par que se há de dançar até que alcance o último homem os confins do sempre.
Que surja aqui ou ali um fundo alegre de flauta a colorir a tragédia, e não faz mais que transformá-la em comédia. E tudo segue.
Tão diferente quanto sempre foi de si mesmo, o humano cósmico existe às suas dez mil maneiras de ser vazio como sempre foi, vazio como nada, vazio como nunca, vazio como ser. Colorido pela inspiração, aprisionado pelo correto, animado pelo belo e temendo o outro, segue ator do eterno drama cósmico. Pois que a triste música fria que somos, repetitiva e sofrida sinfonia de existir e sumir é tudo o que podemos. Mais, nós sequer concebemos.

do vazio

o que é nunca foi para sempre, mas é sempre o que está sendo.
como um complexo sistema mutável, tranqüilamente inconstante, agora, e só agora, se está sendo uma das possibilidades infinitas do Ser inteiro que nunca é em si mesmo.
Eterna mudança, sem duração, sem definição exata. O que é algo agora está sendo sem nem mesmo existir por si, contínuo de possibilidades sempre em transição e que minimamente se define em oposição a um outro; esse outro em constante processo de separação-reintegração, que em si mesmo também não é senão a possibilidade toda expressa em não-ser e subtraída do que está sendo agora.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

eu quero andar

...e ver o silêncio cantar nos olhos de quem eu quero do meu lado. e ver acenderem e apagarem as luzes do caminho, e quero os sorrisos. e chorar quando for preciso, e um pouco de carinho. e sentir o vento quando andar sozinho, e rolar pedras morro abaixo. e me lavar como o resto do mundo na lágrima doce da chuva. e colher as sombras de um jardim florido, e dançar a música colorida dos dias. e na luz fria da noite, desvelar o infinito.
é só o que eu quero.
eu sei, não é muito.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Pensador pesado, preso à poltorona; como ator cansado da irrealidade enfadonha, resolvo assistir pela janela o espetáculo estranho do real, do mundo que muda.
Em preto e branco e vermelho, sentadas sobre muros, jovens aprendem pós-modernidades e as maneiras de chumbo da cidade, e copiam ávidas em seus corpos tudo o que há na cartilha dos outdoors, e ela muda. E o mundo todo num instante se transfigura e agora atrás da minha retina e da janela se espelha um outro. Anarco-punk-sindical-comunistas desfilam bandeiras de um novo socialismo, de um outro fundamentalismo, de um novomundismo ou de qualquer outro novismo enquanto passeiam e cantam hinos de entusisamo, e eles mudam.
Sedentos, famintos, mendigos, perebentos e outros rebentos de um novo-escravismo transitam, e xingam e imigram. Eles somos as malcheirosas flores do grande jardim do mundo. E todos mudam.
Choram mães demasiado jovens com suas crias no colo, e as consolam xamãs e outros magos esnobes, hipócritas e toda sorte desses ora entusiastas da harmonia e da maravilha, ora senhores da miséria (riquíssima miséria) e baleias e todas formas de vida de todo o mundo, como a própria vida e o mundo dançam e se combinam na sopa cósmica açucarada. E eu aqui ainda, atrás da retina, mudo.




***


Sem janela, eu só cruzo a esquina, enquanto a todo tempo tudo muda, como é a sina. E subo as escadas, e lá no topo, do alto de uma outra poltrona, mudo.


E dessa vez, só, eu mudo.
E dessa vez, só eu mudo.
E dessa vez só eu, mudo.
E dessa vez só, eu mudo.
E dessa vez só.
Eu.
Mudo.